sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Surdos escravos cegos que não sabem gritar
Por Silvia Schroeder

De Londrina



 “é o homem inteiro que é condicionado ao comportamento produtivo pela organização do trabalho, e fora da fábrica ele conserva a mesma pele e a mesma cabeça.
Cristophe Dejours


Tratava-se de um programa do Discovery Channel que instruía os telespectadores nas melhores técnicas de sobrevivências nas áreas tensas e não urbanas da Irlanda. O maluco explicava – e demonstrava empiricamente – que se encontra disponível na natureza as ferramentas essenciais para se manter vivo. Tudo em diversas formas, cores, modelos e sabores.

A seguir, veio o intervalo tal qual um ardido tapa na cara. Se por um lado somos animais capazes de usar a inteligência para encontrar meios alternativos, nas prateleiras do natural gratuito, para dar continuidade à nossa existência, por outro lado somos capazes de perder tempo a) inventando,  b) produzindo, c) agregando valor e fazendo propaganda de uma escova de cabelo que gira freneticamente e derrete o couro cabeludo para deixar a sujeita linda para um jantar ou em alto estilo para um encontro de última hora. É uma pena que tal utensílio não estimule o processo da neurogênese.

Este abismo ridículo, entre o que somos e o que fingimos ser, exibido de forma tão óbvia em um meio de comunicação em massa e alienante imediatamente me lembrou um sério questionamento que meu irmão mais velho me fazia quando andava distraída: “Você é boba ou quer um milhão”?

A sociedade humana se tornou um burro de carga com uma vara de pescar presa nas costas que segura uma cenoura que jamais será alcançada. Tornamo-nos bobos e inocentemente acreditamos que alcançaremos o um milhão.

O que eu pretendo dizer, deixando TODAS as metáforas de lado, é que nos tornamos os escravos mais idiotas que já pisaram neste grão de areia suspenso em um feixe de luz que pomposamente chamamos de Planeta Terra.

Uma pequena classe dominante construiu um exército de escravos cegos, surdos, mudos e amedrontados e lhes tirou toda a noção de sua própria alienação.

Se tivéssemos uma parcela de consciência de nossa servidão, correríamos feitos loucos atrás de um pedaço de papel? Papel, este, que só tem valor por consentimento de todos os escravos e que nunca será em quantia suficiente para uma carta de alforria.

Caso notássemos claramente o quanto não mais nos pertencemos, concordaríamos em nos vendermos diariamente em um trabalho maçante e repetitivo?

Iríamos simplesmente nascer e crescer de cabeça baixa apenas para produzir e consumir sem critérios de real necessidade?

Obedecemos sem saber por que o fazemos. Voluntariamo-nos para esta vida terrível e cremos piamente que não há alternativas para outra forma de configuração social. Jura? Orgulhamo-nos tanto de nossa evolução social e assumimos que está bom para todo mundo. A verdade está no extremo oposto desta afirmação.

Sinceramente não me importará que digam que se trata de uma revolta típica da juventude, pois a resposta virá com um triste pesar: minha geração tem preocupações mais sérias do que a condição humana como, por exemplo, o status que lhes trarão uma calcinha bege cravada de diamantes africanos recolhido por um minerador europeu com um olho diferente do outro – ainda que Bowie cantasse a eles antes de dormir...

Espero, igualmente, que jamais morra em mim a indignação frente à maldade que impetram a tantos seres humanos, condenando-os à fome, ao frio e a humilhação. E que jamais esqueça que o que nos dizem felicidade é apenas um osso roído jogado para nós debaixo da mesa.

Não sou marxista, comunista, capitalista ou malabarista, desejo apenas que a hipocrisia de que este é o mundo ideal seja deixada de lado, no mínimo e apenas para começar.

Mas no fim das contas, se tudo der errado e zumbis fundamentalistas do oriente tretarem com zumbis fundamentalistas arrogantes do ocidente, eu corro para as colinas e faço uma fogueira usando dois gravetinhos.




2 comentários:

  1. Somos escravos e o pior:
    ESCRAVOS INÚTEIS!
    Silvinha excelente e criativa, como sempre!

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  2. A iniciativa desse espaço foi muito boa!
    Gente de conteúdo demais aqui.
    Textos bons, gente jovem; Um grande barato!
    Robson Nazareh

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