terça-feira, 23 de junho de 2020

A festa da estupidez: parece que a pandemia acabou e só eu esqueci de sair de casa


Por Dany Santos



A Festa Da Morte




Pode ser que esteja muito difícil pra você se sentir emocionalmente estável neste momento em que muita gente já praticamente abandonou o isolamento apesar das 50 mil mortes e mais de 1 milhão de infectados. É preciso se fortalecer e saber que não estamos sós, então, saiba: eu estou mantendo o isolamento assim como você.

Hoje está sendo um dia especialmente difícil porque passaram fotos inacreditáveis na minha timeline. Tinha foto de gente na praia, pessoas viajando, praças lotadas com gente sem máscara e pessoas frequentando salão de beleza. Parece que a pandemia acabou e só eu esqueci de sair de casa. Tem uma festa rolando aqui perto com direito a karaokê. Chega a ser triste e patético. A festa da estupidez.

Mas, nós estamos firmes. Sabemos que os números não são bons. Vemos todos os dias médicos dizendo que não é o momento de relaxar. Não existe evidência científica que justifique o afrouxamento. Estamos fazendo o certo. Estamos sendo fiéis ao nosso pacto social. Estamos sendo responsáveis. Estamos, principalmente, respeitando as 50 mil famílias que perderam seus entes queridos.

Eu só queria mesmo que você soubesse que você não está só. Você não é trouxa. Você não está exagerando. Você e eu estamos sendo responsáveis e respeitosos. Força pra você. Força pra mim. Sigamos!


segunda-feira, 8 de junho de 2020

Triste Destino

Por Antonio Siqueira




FOTO: JOÃO TZANNO/UNSPLASH


















Infelizmente, a óbvia tentativa de manipulação dos dados sobre a pandemia faz parte de um esforço maior de falsificação nas mais diversas frentes e junto aos mais diversos aliados. Foi mais fácil tentar colar a ideia de que o número de mortes causadas pela covid-19 no Brasil estaria manipulado pelos governadores depois que fábricas de fake news disseminaram via redes sociais o boato de que caixões vazios estariam sendo enterrados em Manaus ou que médicos estariam classificando sistematicamente como vítimas de covid-19 pacientes que morreram por outras causas.

Além de negar a pandemia, o presidente Jair Bolsonaro quer esconder os balanços de mortos, contaminados e recuperados, achincalhando o Ministério da Saúde. Demitiu um ministro, expeliu outro, nomeou um general intendente como interino, descartou o isolamento, empurrou a cloroquina garganta abaixo de médicos e especialistas e agora isso: sonegar os números.

Pois vamos a eles: são mais de 35 mil mortos (35 mil!) e quase 650 mil contaminados (650 mil!), numa expansão macabra, fora de controle. O presidente dá de ombros para os mortos – “E daí?” – e os governadores relaxam atabalhoadamente o isolamento para abrir lojas e serviços na pior hora. Logo, vai piorar.

Por outro lado, destacamos o exemplo uruguaio. Por que não se divulgou mais a maneira tão eficiente como o Uruguai tem lutado contra o coronavírus? A verdade é que se trata de um pequeno país, de apenas três milhões e meio de habitantes, rodeado por vizinhos tão enormes quanto o Brasil e a Argentina. Mas esses dois gigantes teriam se saído muito melhor se, em vez de fazer o que fizeram para deter (ou incentivar, como seria melhor dito no caso brasileiro) a pandemia, tivessem seguido o exemplo uruguaio. Luis Lacalle Pou, o novo presidente do Uruguai, acabava de assumir o poder após derrotar a esquerdista Frente Ampla, que havia acumulado 15 anos de governo, com erros notáveis em política econômica, mas respeitando a liberdade de expressão e as eleições livres. Na terça-feira 13 de março, conheceram-se os primeiros casos confirmados de coronavírus no país

Enfrentando as pressões da oposição de esquerda, e inclusive de sua própria aliança entre o Partido Nacional (ou Branco) e o Partido Colorado, Lacalle Pou se negou a impor uma quarentena, como fizeram tantos países do mundo. Apelou à responsabilidade dos cidadãos e declarou que ninguém que quisesse às ruas ou continuar trabalhando seria impedido, multado ou detido, e que não haveria aumento de impostos porque as empresas privadas desempenhariam um papel central na recuperação econômica do país após a catástrofe. Somente seriam suspensas as aulas dos colégios e haveria fechamento temporário das fronteiras. No Uruguai em decorrência da praga são 23, os contagiados são 826 e os recuperados, 689. É difícil imaginar um balanço menos trágico. Deve-se este êxito ao povo uruguaio e a mais ninguém.

Senão bastasse a pandemia, temos o chavismo’ de Bolsonaro e o risco das milícias armadas no Brasil. Notícias falsas, negacionoismo, ignorância e crueldade. Por último, temos o presidente assumindo publicamente no vídeo da fatídica reunião ministerial que a conversa de armas para defesa da família e propriedades não passava de fachada, já que sua intenção de “escancarar a questão do armamento” é para que seus apoiadores possam pressionar (armados) todos que fazem críticas ao seu Governo. Tudo isso em cima de quase 36.000 cadáveres, sem máscara, sem anestesia, se ascepcia, coçando o nariz e apertando mãos ao sabor dos ventos. Triste destino, Brasil!


domingo, 7 de junho de 2020

Covid-19: nem todos os pacientes com os pulmões seriamente comprometidos sentem falta de ar

A culpa são de pequenos coágulos que o vírus cria. O ar entra e sai normalmente do pulmão, mas o oxigênio não chega onde precisa chegar.

Por Maria Clara Rossini


 MR.Cole_Photographer/Getty Images


















Alguns pacientes graves de Covid-19 não sentem falta de ar, mesmo quando os níveis de oxigênio no sangue já estão bem baixos. Isso faz com que a doença passe despercebida no início – e quando o paciente chega no hospital, a situação está tão crítica que ele logo precisa ser entubado.

Esses não são todos os casos – afinal de contas, estima-se que 80% dos infectados pelo coronavírus tenham sintomas leves ou não apresentem sintoma nenhum. Mas a frequência com que esses quadros se repetem preocupam os médicos. Mesmo se existissem respiradores suficientes para internar quem precisa, o entubamento é um processo de risco que nem sempre consegue salvar o paciente.

Uma das hipóteses que explica esse comportamento estranho no corpo é a formação de coágulos nos pulmões. O sangue forma pequenos sólidos que servem como “tampão” quando algum vaso sanguíneo é rompido. Isso geralmente ajuda a estancar sangramentos, mas ele também pode causar trombose, que é quando esses coágulos bloqueiam o fluxo do sangue pelos vasos.

No caso da Covid-19, cada vez mais estudos mostram que a doença pode causar esses trombos em pacientes que evoluem para quadros mais graves. Isso explicaria por que a pessoa não sente falta de ar, mesmo já estando com níveis baixos de oxigênio: o ar entra e sai normalmente do pulmão, mas o oxigênio não chega onde precisa chegar, por conta da falta de irrigação.

Esses pequenos coágulos também ficam entre os alvéolos pulmonares e os vasos sanguíneos. Os alvéolos são “saquinhos” para onde vai o ar que você respira. Lá é justamente onde o pulmão pega o oxigênio do ar e passa pro sangue. Com o “bloqueio” no meio, menos oxigênio entra no sangue, causando o que os médicos chamam de “baixa saturação” (sangue que carrega menos oxigênio do que deveria).

De quebra, isso explicaria os sintomas dermatológicos da doença, os famosos “dedos de covid” (mas que também podem se manifestar em outras áreas do corpo). Com a irrigação sanguínea obstruída, os dedos adquirem um tom avermelhado ou roxo, como tem sido observado em pacientes.


Diferente dos outros coronavírus

A pneumologista Elnara Negri é pesquisadora da Universidade de São Paulo e atua no Hospital Sírio-Libanês e Hospital das Clínicas. Ela percebeu algo estranho quando entubou um paciente com Covid-19, no final de março. O pulmão dele parecia estar funcionando normalmente, bem flexível, o que é incomum para um quadro de desconforto respiratório agudo.

Tanto a SARS quando a MERS, duas outras doenças graves causadas por coronavírus, provocam uma inflamação no pulmão. Os alvéolos se enchem de células mortas e pus, deixando o pulmão mais rígido. Assim, fica difícil fazer a ventilação por meio dos respiradores, porque o pulmão está duro demais para fazer o movimento.

Não foi o que a médica percebeu com o novo coronavírus. Ela entrou em contato com outros pesquisadores da USP, Paulo Saldiva e Marisa Dolhnikoff, que estavam fazendo autópsia dos pulmões de pessoas que morreram pela Covid-19. Eles perceberam focos de hemorragia em vasos sanguíneos do pulmão – que estavam relacionados aos microtrombos que mencionamos antes. O artigo com a análise das autópsias foi revisado por pares e aceito para publicação no Journal of Thrombosis and Haemostasis.

A pergunta que resta é por que o coronavírus causa esses coágulos. Segundo Negri, o vírus entra pelo sistema respiratório e destrói as células que revestem os alvéolos e os brônquios. É como se eles ficassem em carne viva, e isso atrai a atenção do corpo para aquela região. Lá é liberada uma substância chamada fator tecidual, o que ativa a coagulação no pulmão. O mesmo acontece quando você se corta e o corpo manda as substâncias para estancar o sangramento e formar aquela “casquinha” na pele. Mas ativação da coagulação nos pulmões forma trombos que obstruem os pequenos vasos sanguíneos do órgão e causam todas aquelas complicações.

A inflamação e acúmulo de células mortas no pulmão – quadro típico da SARS e MERS – também pode acontecer com a Covid-19, se ela evoluir para os estágios mais graves. “Isso pode acontecer nas fases finais da doença se o processo trombótico não for contido no início. Inicialmente observa-se menos inflamação dentro do alvéolo e mais trombose nos vasos pulmonares. Se ela não for freada, ocorre necrose tecidual, inflamação, infecção bacteriana secundária e evolução para a síndrome respiratória aguda”, diz Elnara Negri.


Tratamento

Bom, ainda não sabemos como curar a Covid-19, mas a ciência já sabe tratar coágulos há décadas. A pneumologista está participando de estudos com o medicamento heparina, que desfaz os trombos no sangue e desentope os vasos. As primeiras experiências com 27 pacientes graves do Hospital Sírio-Libanês foram descritas em um artigo que aguarda a revisão por pares. Os casos tratados com o anticoagulante se recuperam entre 10 e 14 dias de internação, enquanto outros casos graves de Covid-19 precisam de, em média, 28 dias no respirador. Em um cenário com recursos escassos, diminuir o tempo de internação é essencial para poder administrar melhor os leitos hospitalares.

A equipe de pesquisadores irá fazer estudos amplos, controlados e randomizados com a heparina, em parceria com a Universidade de Toronto e Universidade de Amsterdã. Além disso, eles também estão estudando dados de 200 pacientes já tratados no Hospital Sírio-Libanês, que serão compilados em um artigo.

Por enquanto, a maior parte dos hospitais e UTIs já utiliza o medicamento em pacientes com baixa saturação de oxigênio. A médica defende que é importante iniciar o tratamento com a medicação assim que for detectado o baixo nível de oxigênio no sangue, para evitar as complicações que falamos aqui no texto. O médico deve determinar a dose adequada para cada paciente. Sempre é bom lembrar que a automedicação para tratar a Covid-19 pode levar a complicações graves. No caso da heparina, a dose errada pode causar hemorragia.

Não sabemos se os coágulos são os únicos responsáveis pelo agravamento da doença. Segundo a médica, de 10% a 15% dos pacientes evoluem para o quadro de hipercoagulação. São esses que podem precisar de oxigenação e ventilação mecânica.

O quadro provocado pela Covid-19 é complexo e envolve diversos fatores biológicos, como predisposição genética e comorbidades. A maior parte dos pacientes com trombose tratados por Negri tinham obesidade ou diabetes, mas o quadro também foi observado em pessoas sem comorbidades. Com cada vez mais estudos voltados ao aspecto trombótico da Covid, a nova linha de pesquisa pode mudar a maneira como tratamos a doença.